O galo que cantava para fazer o sol nascer
Minha tristeza e homenagem ao grande Rubem Alves.
Era uma vez um galo que acordava bem cedo todas as manhãs e dizia para a bicharada do galinheiro:
— Vou cantar para fazer o sol nascer…
Ato contínuo, subia até o alto do telhado, estufava o peito, olhava para o nascente e ordenava, definitivo:
— Có-có-ri-có-có…
E ficava esperando.
Dali a pouco a bola vermelha começava a aparecer, até que se mostrava toda, acima das montanhas, iluminando tudo.
O galo se voltava, orgulhoso, para os bichos e dizia:
— Eu não falei?
E todos ficavam biqui/abertos e respeitosos ante poder tão extraordinário conferido ao galo: cantar pra fazer o sol nascer.
Ninguém duvidava. Tinha sido sempre assim. Também o galo-pai cantara para fazer o sol nascer, e o galo-avô.
Tal poder extraordinário provocava as mais variadas reações.
Primeiro, os próprios galos não estavam de acordo. E isto porque não havia um galo só. Quando a cantoria começava, de madrugada, ela ia se repetindo pelos vales e montanhas. Em cada galinheiro havia um galo que pensava a mesma coisa e julgava todos os outros uns impostores invejosos. Além do que não havia acordo sobre a partitura certa para fazer o sol nascer. Cada um dizia que a única verdadeira era a sua — todas as outras sendo falsificações e heresias. Em cada galinheiro imperava o terror.
Os galos jovens tinham de aprender a cantar do jeitinho do galo velho, e se houvesse algum que desafinasse ou trocasse bemóis por sustenidos, era imediatamente punido. Por vezes, a punição era um ano de proibição de
cantar. Sendo mais grave o desafino, ameaçava-se com o caldeirão de canja do fazendeiro, fervendo sobre o fogão de lenha.
[…]
Depois havia grande ansiedade entre os moradores do galinheiro. E se o galo ficasse rouco? E se esquecesse da partitura?
Quem cantaria para fazer nascer o sol? O dia não amanheceria. E por causa disso cuidavam do galo com o maior cuidado.
Ele, sabendo disso, sempre ameaçava a bicharada, para ser mais bem tratado ainda.
— Olha que eu enrouqueço!, dizia.
E todos se punham a correr, para satisfazer as suas vontades.
[…]
Aconteceu, como era inevitável, que certa madrugada o galo perdeu a hora. Não cantou para fazer o sol nascer.
E o sol nasceu sem o seu canto.
O galo acordou com o rebuliço no galinheiro. Todos falavam ao mesmo tempo.
— O sol nasceu sem o galo… O sol nasceu sem o galo…
O pobre galo não podia acreditar naquilo que os seus olhos viam: a enorme bola vermelha, lá no alto da montanha. Como era possível? Teve um ataque de depressão ao descobrir que o seu canto não era tão poderoso como sempre pensara. E a vergonha era muita.
Os bichos, por seu lado, ficaram felicíssimos. Descobriram que não precisavam do galo para que o sol nascesse. O sol nascia de qualquer forma, com galo ou sem galo. Passou-se muito tempo sem que se ouvisse o cantar do galo, de deprimido e humilhado que ele estava. O que era uma pena: porque é tão bonito. Canto de galo e sol nascente combinam tanto. Parece que nasceram um para o outro.
Até que, numa bela manhã, o galinheiro foi despertado de novo com o canto do galo. Lá estava ele, como sempre, no alto do telhado, peito estufado.
— Está cantando para fazer o sol nascer?, perguntou o peru em meio a uma gargalhada.
— Não, ele respondeu. Antes, quando eu cantava para fazer o sol nascer, eu era doido varrido. Mas agora eu canto porque o sol vai nascer. O canto é o mesmo. E eu virei poeta.
ALVES, Rubem. Estórias de bichos. 2. ed. São Paulo: Loyola, 1990. p. 22-5.
Era uma vez um galo que acordava bem cedo todas as manhãs e dizia para a bicharada do galinheiro:
— Vou cantar para fazer o sol nascer…
Ato contínuo, subia até o alto do telhado, estufava o peito, olhava para o nascente e ordenava, definitivo:
— Có-có-ri-có-có…
E ficava esperando.
Dali a pouco a bola vermelha começava a aparecer, até que se mostrava toda, acima das montanhas, iluminando tudo.
O galo se voltava, orgulhoso, para os bichos e dizia:
— Eu não falei?
E todos ficavam biqui/abertos e respeitosos ante poder tão extraordinário conferido ao galo: cantar pra fazer o sol nascer.
Ninguém duvidava. Tinha sido sempre assim. Também o galo-pai cantara para fazer o sol nascer, e o galo-avô.
Tal poder extraordinário provocava as mais variadas reações.
Primeiro, os próprios galos não estavam de acordo. E isto porque não havia um galo só. Quando a cantoria começava, de madrugada, ela ia se repetindo pelos vales e montanhas. Em cada galinheiro havia um galo que pensava a mesma coisa e julgava todos os outros uns impostores invejosos. Além do que não havia acordo sobre a partitura certa para fazer o sol nascer. Cada um dizia que a única verdadeira era a sua — todas as outras sendo falsificações e heresias. Em cada galinheiro imperava o terror.
Os galos jovens tinham de aprender a cantar do jeitinho do galo velho, e se houvesse algum que desafinasse ou trocasse bemóis por sustenidos, era imediatamente punido. Por vezes, a punição era um ano de proibição de
cantar. Sendo mais grave o desafino, ameaçava-se com o caldeirão de canja do fazendeiro, fervendo sobre o fogão de lenha.
[…]
Depois havia grande ansiedade entre os moradores do galinheiro. E se o galo ficasse rouco? E se esquecesse da partitura?
Quem cantaria para fazer nascer o sol? O dia não amanheceria. E por causa disso cuidavam do galo com o maior cuidado.
Ele, sabendo disso, sempre ameaçava a bicharada, para ser mais bem tratado ainda.
— Olha que eu enrouqueço!, dizia.
E todos se punham a correr, para satisfazer as suas vontades.
[…]
Aconteceu, como era inevitável, que certa madrugada o galo perdeu a hora. Não cantou para fazer o sol nascer.
E o sol nasceu sem o seu canto.
O galo acordou com o rebuliço no galinheiro. Todos falavam ao mesmo tempo.
— O sol nasceu sem o galo… O sol nasceu sem o galo…
O pobre galo não podia acreditar naquilo que os seus olhos viam: a enorme bola vermelha, lá no alto da montanha. Como era possível? Teve um ataque de depressão ao descobrir que o seu canto não era tão poderoso como sempre pensara. E a vergonha era muita.
Os bichos, por seu lado, ficaram felicíssimos. Descobriram que não precisavam do galo para que o sol nascesse. O sol nascia de qualquer forma, com galo ou sem galo. Passou-se muito tempo sem que se ouvisse o cantar do galo, de deprimido e humilhado que ele estava. O que era uma pena: porque é tão bonito. Canto de galo e sol nascente combinam tanto. Parece que nasceram um para o outro.
Até que, numa bela manhã, o galinheiro foi despertado de novo com o canto do galo. Lá estava ele, como sempre, no alto do telhado, peito estufado.
— Está cantando para fazer o sol nascer?, perguntou o peru em meio a uma gargalhada.
— Não, ele respondeu. Antes, quando eu cantava para fazer o sol nascer, eu era doido varrido. Mas agora eu canto porque o sol vai nascer. O canto é o mesmo. E eu virei poeta.
ALVES, Rubem. Estórias de bichos. 2. ed. São Paulo: Loyola, 1990. p. 22-5.
O Sol da Verdade brilha nas letras da Poesia e para todos os que tem olhos para ver, ouvidos para ouvir e capacidade para compreender ...
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