Aristóteles: Na piada vale tudo?
Ética
a Nicômaco – Aristóteles
Sobre
os rudes, os espirituosos e os bufões
Introdução
No
seu estudo sobre ética, Aristóteles busca examinar quais atitudes são virtuosas
(dignas de honra e louvor) e quais são reprováveis. De modo geral as virtudes
se encontram no comportamento afastado dos extremos, isto é, distantes da falta
e do excesso. Edson Bani traduz as atitudes louváveis de mediania. Outros
autores a chamam de meio-termo.
A
mediania não equivale a média matemática onde 5,5 se encontra equidistante
entre 1 e 10. Sendo uma ação virtuosa, a mediania muitas vezes se encontra
próxima aos extremos. A coragem está mais próxima da temeridade (o extremo do excesso)
do que da covardia (o extremo da falta). A temeridade é a atitude de quem
enfrenta o perigo desnecessariamente por desejar honra ou para esconder a sua
covardia. De fato, o temerário parecerá corajoso aos nossos olhos. A brandura
parece estar mais próxima à falta (que não tem nome) do que do excesso (a
irascibilidade).
No
texto a seguir Aristóteles busca definir a mediania, ou seja, as atitudes
virtuosas dignas de honra, dentro do tema relações sociais. Neste particular, ele
trata da questão do bom humor. Vale observar a nota 551 de Bani sobre este
tema.
Livro
IV
Capítulo
8
1128a1
5
10
15
20
25
30
35
1128b1
5
|
Considerando-se que
a vida também inclui descanso, do qual fazem
parte distrações que nos servem de entretenimento, percebemos que há, também,
certo padrão de bom gosto no relacionamento social e certa compostura no que
dizemos e na nossa maneira de dizê-lo, e ainda no que nos permitimos ouvir;
igualmente caberá a nós saber se as pessoas com as quais falamos e ouvimos se
conformam ao mesmo padrão. E está claro que nesse domínio também existe
excesso ou deficiência em relação à mediania.
Aqueles, portanto, que atingem o excesso no grotesco
são tidos como bufões e indivíduos vulgares,[540] e
são indivíduos que se empenham em apresentar seu humor a todo custo, mais
interessados em provocar uma risada do que dizerem o que está nos limites do
decoro, com o que sacrificariam o objeto de seu divertimento. Aqueles que,
por outro lado, jamais expressam qualquer coisa humorística e mal suportam os
que o fazem, são considerados rudes e
indelicados.[541] Indivíduos que motejam com bom gosto são chamados de espirituosos,[542] ou seja, hábeis e vivazes quanto a um sem-número de lances espirituosos; com
efeito, estes parecem ser movimentos do
caráter, e nós julgamos o caráter, como os corpos, a partir de seus
movimentos.[543] Mas como a matéria para o risível é de fácil acesso, a maioria dos indivíduos
é exageradamente apreciadora de diversão e gracejos, até mesmo os bufões são
qualificados de espirituosos e passam por graciosos, embora esteja claro pelo
que foi dito que os primeiros são diferentes – largamente diferentes – dos
segundos. A disposição mediana é mais propriamente caracterizada pelo tato,[544] seu detentor se restringindo a dizer e ouvir somente aquilo que se
compatibiliza com o indivíduo virtuoso
e bem-nascido;[545] é fato existir certo decoro no que um tal indivíduo dirá e ouvirá em matéria
de gracejo, e o gracejar de um indivíduo bem nascido difere daquele de uma
pessoa de baixa extração, como difere aquele de uma pessoa educada de uma
pessoa sem educação. Tal diferença pode ser aquilatada comparando-se as
comédias antigas e as atuais. Os antigos comediógrafos, com efeito, julgavam
a obscenidade divertida, ao passo
que os atuais preferem a insinuação,[546] o que representa uma grande diferença em termos de decoro. Podemos então
definir aquele que expressa o bom humor dizendo que seus gracejos não são
inconvenientes aos indivíduos bem nascidos,[547] ou que evitam ser ferinos ou que efetivamente transmitem prazer ao
ouvinte? Ou será indefinível, uma vez que os gostos diferem quanto ao que é ofensivo e ao que é divertido?[548] mesmo valeria para coisas que um indivíduo se permitisse ouvir, porquanto
proezas que um indivíduo permite que lhe sejam atribuídas são as que ele
prosseguiria realizando. Consequentemente, ele não fará certas pilhérias. Com efeito, a zombaria é uma espécie de vilipêndio[549] e algumas formas são proibidas por lei e, talvez, certas formas de motejo o
devessem ser, também. O indivíduo refinado e bem nascido terá, portanto, esse
perfil quanto à sua espirituosidade e criará, por assim dizer, uma lei para
si mesmo.
O indivíduo que ocupa a mediania, seja ele
denominado o indivíduo de tato ou o
espirituoso é esse que acabamos de
apontar. O bufão é aquele que não consegue conter o humor;[550] ele não poupará a si mesmo ou a quem quer que seja para provocar uma boa
risada, e dirá coisas que um indivíduo refinado jamais diria, sendo que
algumas delas sequer se permitiria ouvir. O rude (ou obtuso) representa uma
completa inutilidade no relacionamento social: de fato, não contribui em nada
e se ofende com tudo; todavia, o descanso
e o entretenimento parecem ser necessários á vida.[551]
Três, então, são as medianias na vida
mencionadas por nós, todas elas concernentes às conversações ou a certas
atividades comuns. Diferem pelo fato de uma dizer respeito à verdade e as
outras serem tocantes ao ser agradável ou prazenteiro. Das duas referentes ao
prazer, uma delas é exibida nos entretenimentos e a outra nas relações
sociais em geral da vida.
|
Conclusão
Embora
Aristóteles não tenha feito um tratado sobre o riso, como vimos no comentário
de Rubi, no que se refere à ética nos comportamentos sociais a piada não algo
desregrado com ausência de limites. O indivíduo bem nascido saberá se portar de
modo conveniente de modo não se tornar um bufão, alguém grotesco ou vulgar pelo
excesso de querer fazer rir a qualquer custo e fora dos “limites do decoro”. Por outro lado, os
espirituosos estão longe dos rudes (ou obtuso) que pela falta de humor em nada
contribuem com a sociedade se ofendendo com tudo.
Recomendamos
assistir o documentário O Riso dos Outros
produzido pela TV Câmara.
"Existem limites para o humor? O que é o humor politicamente incorreto? Uma piada tem o poder de ofender? São essas questões que o O Riso dos Outros discute a partir de entrevistas com personalidades como os humoristas Danilo Gentili e Rafinha Bastos, o cartunista Laerte e o deputado federal Jean Wyllys, entre outros."
Bibliografia
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco; Poética; seleção de
textos de José Américo Motta Pessanha. - 4. ed. - São Paulo : Nova Cultural,
1991. - (Os pensadores ; v. 2)
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco, tradução, textos
adicionais e notas de Edson Bani. 4 ed. - 4. ed. - São Paulo : Edipro, 2014. –
(Série Clássicos Edipro)
Johann Goethe |
(boi mèn oyn tôi geloíoi hyperbállontes
bomolókhoi doskoysin eînai kaì phortikoí ).
[543]
...toà g¦r ½qouj ai toiaàtai dokoàsi kin»seij eŒnai, ìsper d™ t¦ sèmata ™k
tîn kin»sewn kr…netai, oÛtw kai t¦ ¼qh ... (toy gàr éthoys hai toiaytai dokoysi kinéseis
eînai, hósper dè tà sómata ek tôn kinéseon krínetai, hoýto kaì tà éthe.).
[545]
...tù ™piehke‹ kaˆ ™leuqer…J... (tôi epieikeî kaì eleytheríoi), ou:... indivíduo bom e
livre... . No âmbito da estrutura social da cidade-Estado grega (por exemplo,
Atenas), sob a instituição da escravatura, ocorria uma necessária paridade
entre o indivíduo livre e o indivíduo bem nascido e bem educado. Tanto a pessoa
ordinária (não pertencente a uma estirpe nobre, ou seja, não bem nascida)
quanto o escravo (que não passava de uma propriedade, não sendo considerado
sequer uma pessoa e, muito menos um cidadão) não tinham acesso à educação
liberal, o indivíduo comum (não nobre) tendo apenas acesso ao aprendizado das
chamadas artes manuais (carpintaria,
escultura, confecção de calçados, curtume, construção, olaria etc.), e
destinado a trabalhar no comércio em geral e como trabalhador braçal. Essa
distinção social, profissional e educacional correspondia a uma distinção
moral, vale dizer, o trabalho manual e braçal era estimado como vil (a„scrÒj [aiskhrós]), em oposição às ocupações nobres
(política, arte militar, filosofia) e mesmo ao όcίο, isto é, ο que era kalÒj (kalόs), nobre.
[546]
Arίstόteles opõe a a„scrolg…a (aiskhrología), obscenίdade à
instituição (ØpÒnoia [hypόnoίa] ), ου seja, ο explίcίto ao
implícito.
[548]
...mishtÒn te kaˆ ¹dÚ, ... (misetón
te kaì hedý.), mais exatamente o que
é detestável (repulsivo) e o que é prazeroso.
[550]
Exemplo perfeito desse tiρο humano é ο Coringα (The Joker), criado pelo ίmortal Βob Krane, que contrasta e se opõe ao miliardário, circunspecto e requintado
Bruce Wayne.
[551]
...dke‹ d™ ¹ ¢n£pausij kaˆ ¹ taidi¦ ™n tu b…J eŒnai ¢nagka‹on. ... (dokei dè he αnápaysis kαì he paidià em tôi bíoi eînai anagkaîon.). Embora fosse seu projeto, Aristóles, na Poética inacabada, não chegou a tratar
da comédia e de seus ingredientes (como o riso). É instrutiva, a esse respeito,
a leitura do brilhante romance de Umberto Eco, O Nome da Rosa.
Comentários
Postar um comentário