O choro de uma noite

Lembro-me bem do dia da minha conversão. Deus desejava me alcançar e neste processo começou muitos anos antes a fazê-lo: desde os tempos da igreja católica. Foi Ele quem me disse NÃO de forma inconfundível quando eu quis entrar para o seminário para ser padre. Confesso que não entendi a resposta do Senhor. Como Ele poderia dizer não ao meu coração sincero e ingênuo? Como dizer não a alguém casto que decidiu tornar-se eunuco por amor a Cristo? Definitivamente Deus me decepcionava.
Mas os anos passaram (eles sempre passam) e, hoje, tenho família, filhos e uma vida com Deus. Hoje, estou no seminário, mas não para ser padre ou casto por amor a Cristo. Hoje, olho para traz e percebo que Deus tinha um outro plano o qual eu não entendia.

Atualmente é muito comum confundirmos a soberania de Deus com a permissividade de Deus. Sim, Deus permite muitas coisas, entre as quais o pecado. Mas isso não significa que essa seja a Sua vontade. É neste contexto que trago perguntas para este tempo de dor e lágrimas.
Se hoje eu fosse convocado à presença do Senhor, que respostas eu lhe daria? E se Ele me perguntasse: por quê?

Por que você se calou diante da iniquidade? O que eu Lhe diria? Como me justificaria?

Não falo da iniquidade do mundo, mas da nossa. Aquela que estamos presenciando e, de certo modo, participando com as nossas vontades ou com as nossas omissões. O que direi eu ao Senhor quando Ele me perguntar?

Partimos, repartimos, dilapidamos àquilo que o Senhor nos confiou como se essa fosse a vontade Dele. Será mesmo? Será que Deus utiliza os mesmos métodos que os homens? Será que para Ele os fins justificam os meios? Cada um dará conta de si, por isso a pergunta me incomoda tanto. Como Lhe darei conta da minha omissão?

Não, a iniquidade não está somente no mundo está dentro de mim, dentro de nós. Nos tornamos como o religioso que vê o irmão da sua congregação a beira do caminho e muda de direção (Lucas 10.31). E é isso que me incomoda. O que fiz para que isso não acontecesse? Orei, mas o Senhor não me respondeu. E, novamente, eu choro como naquela noite.

Choro por aquilo que o Senhor há de requerer da minha mão (das nossas mãos). Choro porque não consigo sentir paz ao ver o sacrifício de tantos irmãos do passado ser esquecido. Parece-nos tão fácil conjugar o verbo vender! O que nos restará para vender em breve? Talvez nossas almas.

Choro porque percebo que a minha omissão, justificada como passividade, permitiu que essas coisas acontecessem. Acontecessem outra vez, não uma nem duas vezes, mas várias.

Choro porque sei que não tenho nenhuma garantia que o dinheiro da venda se reverterá em benefício para nós, assim como não aconteceu das outras vezes, não uma nem duas vezes, mas várias.

Eu choro!

Um choro de lamento, de injúria, de dor.

Choro com Deus e pergunto-Lhe, por quê? Será que minha oração é errada? Por que, então, não sinto paz? Será que minha oração é egoísta? Então, por que Ele não me corrige? Será que me falta fé? Então, por que tem me forjado?

Choro, sim, choro e peço ao Senhor que eu esteja totalmente errado. Que assim como da primeira vez haja algo muito melhor lá na frente. Que no final do túnel haja uma luz brilhante sob a qual todos os nossos pecados sejam revelados e que neste lugar não se encontre os pecados que agora vejo.

Sim, eu choro ainda mais porque se, de fato, a iniquidade já nos dominou o choro durará mais de uma noite apenas. Também não seria esta a primeira vez na história que o povo que se chama pelo Seu nome se desvia dos Seus caminhos.

Que nunca venha sobre nós a mesma palavra trazida por Ezequiel contra Jerusalém: “...acaso é pequena a tua prostituição?” (Ezequiel 16.20c)

Quão fraco é o teu coração, diz o Senhor DEUS, fazendo tu todas estas coisas, obras de uma meretriz imperiosa! Edificando tu a tua abóbada ao canto de cada caminho, e fazendo o teu lugar alto em cada rua! Nem foste como a meretriz, pois desprezaste a paga; Foste como a mulher adúltera que, em lugar de seu marido, recebe os estranhos. A todas as meretrizes dão paga, mas tu dás os teus presentes a todos os teus amantes; e lhes dás presentes, para que venham a ti de todas as partes, pelas tuas prostituições. Assim que contigo sucede o contrário das outras mulheres nas tuas prostituições, pois ninguém te procura para prostituição; porque, dando tu a paga, e a ti não sendo dada a paga, fazes o contrário. Portanto, ó meretriz, ouve a palavra do SENHOR.” (Ezequiel 16.30-35).

Com temor e tremor peço ao Senhor que eu esteja totalmente e redondamente equivocado, para que meu choro dure apenas uma noite e a alegria venha pela manhã.

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