Batman, símbolo de um Brasil colônia

A figura do ‘Batman’ nas manifestações do Rio é, ao mesmo tempo, cômica e patética.




A figura do ‘Batman’, o cavaleiro das trevas, tem se destacado nas últimas manifestações no Rio de Janeiro. Por um lado, trata-se de uma figura pândega pela alusão feita ao justiceiro de Gotham City vivido pelo milionário excêntrico Bruce Wayne. Por outro, reflete a imagem de um povo sem identidade própria que busca num personagem dos quadrinhos alguma esperança de dias melhores.

É divertido ver o ‘Batman’ ora acompanhando os manifestantes, ora fugindo da polícia. Ele faz pose, aparece nos jornais, dá entrevistas, fala nos palanques etc. Pode-se até tirar fotos ao lado dele. Até aí nada de mais, mas daí a acreditar no mito como se ele fosse verdade constitui uma dupla insanidade. Em primeiro lugar porque a vida real não é uma história dos quadrinhos. Em segundo lugar porque buscar, ainda que inconscientemente, a solução para problemas nos heróis é uma perda de tempo porquanto eles (desculpe pelo choque) NÃO EXISTEM.

Além disso, essa figura caricata tem um traje nada barato à realidade brasileira. Segundo outro ‘justiceiro’ de Taubaté, ela estaria em torno de nove mil reais.

A tragédia brasileira passa por sua falta de memória. Ricardo Teixeira da Cruz, conhecido como ‘Batman’, acusado de chefiar uma milícia em Campo Grande, Zona Oeste do Rio, foi condenado a 12 anos de prisão em regime fechado em 2010. O símbolo que causa risos no centro do Rio é o mesmo que representa a associação ao crime organizado na Zona Oeste. São duas realidades que não cabem num mesmo ‘gibi’, exceto na mente de adultos infantilizados.

Essa visão pueril está ligada aos muitos anos da influência cultural estadosunidenses. O Batman e sua Liga da Justiça (a dos quadrinhos, é claro) encantam justamente porque, no final, eles sempre vencem o mal. E não faltam males a serem vencidos no nosso país. Ano após ano buscamos um super-herói capaz de nos defender e nos vingar das injustiças. A pergunta posta é sempre a mesma: “Óh, e agora, quem poderá me defender?” Todavia, Chapolin Colorado (muito mais a ‘nossa cara’) não faz parte da lista de heróis esperados como resposta.

Todavia, a crença no herói estrangeiro é uma invencionice 100% brasileira. D. Pedro de Alcântara de Bragança era o e príncipe herdeiro de Dom João VI, rei de Portugal, país do qual o Brasil era colônia. Diz a lenda que no dia 7 de setembro de 1882 D. Pedro teria declarado a Independência do Brasil com o brado “Independência ou Morte!”, às margens do rio Ipiranga. Curiosamente depois de tal pataquada: 1) ninguém morreu; 2) o Brasil passou a ser governado por D. Pedro I, um português; 3) sob o mesmo regime político anterior, a monarquia (completamente diferente da independência dos EUA).

Essa é a nossa herança política. Sem esperança quantos não projetaram no MDB, de Ulisses Guimarães, a esquerda salvadora? Milhões de brasileiros acreditaram (eu, inclusive) que um homem simples vindo do povo iria redimir o Brasil. Mas, não foi só a crença na esquerda. Muitos apostaram ser o jovem rico, atleta e de boa aparência o 'Salvador da Pátria'. Em todos os casos a depravação política, econômica e moral precederam os heróis.

Contra a antidemocracia, as “Diretas Já” (com o MDB de Ulisses e companhia); contra a desesperança, vencemos o medo (com Lula); contra os marajás, brotou-se um caçador (Fernando Collor). O problema é que todos estes heróis mostram-se falso quando estão no poder e aí ... Aí nos desapontamos, choramos, esbravejamos e, claro, procuramos outro herói ainda que seja um símbolo tragicômico como o ‘Batman’.

O Brasil passa outra vez por uma crise moral da qual certamente surgirá um novo justiceiro. Quem sabe alguém também de capa preta!? Quem sabe um novo caçador de malfeitores!? Quem sabe, até, um anti-herói! É, parece que a história tende a se repetir.

A figura do ‘Batman’ nas manifestações do Rio de Janeiro é, ao mesmo tempo, cômica e patética. Cômica, porque é alegre e nos faz rir das nossas mazelas. Patética, porque simboliza o desespero de um povo sem esperança nas instituições, na sua história e na sua gente. Um povo que precisa projetar num super-herói importado alguma identidade porque não possui uma identidade própria. A figura do ‘Batman’, enquanto símbolo, é a melhor representação de um Brasil que ainda vive e pensa como colônia.

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