Com os faróis virados para traz ou para frente?


Houve um tempo em que a igreja detinha o conhecimento tanto da ciência quanto de “Deus”. Foi uma época próspera diriam alguns, mas não foi sem dor. Matava-se em “nome de Deus”. As cruzadas por um lado, e o massacre dos anabatistas por outro, são exemplos de um cristianismo que nada tem a ver com o Cristo. “Eu, porém, vos digo que não resistais ao mal; mas, se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a outra” (Mateus 5.39).

Se era impossível àquela sociedade lutar contra Deus (na figura da igreja) era possível lutar contra o monopólio do conhecimento clerical. No século XIX comprovou-se o quanto e como haviam erros no conhecimento humano segundo as “bases bíblica”. A igreja, finalmente, perdeu o domínio do conhecimento e acabou por perder também poder sobre o destino das pessoas. A ciência desafiava a igreja e avançava de tal forma que não havia mais saída. Ou ela se fechava em seus dogmas ou se expunha ao açoite do conhecimento científico.

Foi nessa época que os corajosos reformados aceitaram o desafio de olhar o futuro de frente, olho no olho. Estes homens (daquele século e naquele contexto) ousaram olhar para frente contudo, tamanha ousadia custou-lhes muito caro. Aqueles crentes de verdade que não fugiram das perguntas, para as quais não tinham resposta, receberam o título de teólogos liberais. Em seu desejo de manter a fé em Jesus Cristo de modo honesto e não dogmático eles tiveram de abrir mão de valores “sagrados”. E esse foi o pecado que cometeram. Porque enquanto a Europa naufragava em guerras e o crescente ateísmo, conceito completamente diferente de teologia liberal, os EUA crescia e prosperava com sua teologia fundamentalista.

Passaram-se os anos e ninguém duvidava que feliz (leia-se próspera) é a nação cujo Deus é o Senhor; bem aos moldes de Deuteronômio 28. No texto, tudo de bom aconteceria se obedecessem ao Senhor. Mulheres e animais férteis, plantação rica e próspera, riquezas e poder sobre os outros povos seriam as “bênçãos de Deus” para o seu povo (leia-se Judeus). Se não, tudo de mal lhes sobreviria. Maldições, pestilências, escravidão e infertilidade; castigos pela desobediência ao Senhor. E Europa e seus teólogos? Só sobrou Karl Barth e com reservas.

Mas o tempo passa e as coisas mudam como também mudaram para os hebreus. Hoje, qualquer criança tem acesso à informação que anteriormente levávamos dias para encontrar. A pergunta deste tempo é: até quando nós vamos ignorar este fato? Alguém imagina que ler a revista na EBD ensina a alguém sobre os valores de Deus? Que seja! Se aula for ótima, isso isenta o seu filho ou filha de receber informação totalmente contrária na escola? Um domingo vale mais que os cinco dias na escola? Uma hora vale mais que as vinte na sala de aula? Isso sem falar na televisão, Internet etc. Agora que os EUA estão em crise. Eles que responder as mesmas perguntas que os europeus no passado. “Onde está o Deus da prosperidade”, o Deus da barganha que  “abençoa”  quem lhe “é fiel” e pune quem “não é”? Será que Deus é só isso?

Por acaso aqueles que detêm títulos espirituais de conservadores, fundamentalistas e etc., teriam lido Crer é também pensar de John Stott? Este é nosso tempo e aqui no nosso Brasil. Estamos vivendo sob dois estigmas: A teologia fundamentalista e a teologia liberal cujos sentidos já mudaram muito desde o século passado. Fundamentalista, hoje, é quem crê em Deus e é portanto, autenticamente "espiritual". Enquanto liberal, hoje, é quem não crê em Deus e relativiza tudo que se refere a Deus. Duas grandes tolices dividindo a teologia. Parece que temos sempre estar de um dos dois lados. Calvinistas versus Arminianos, Católicos versus Reformados, Fundamentalistas versus Liberais e assim por diante.

O problema é que nosso carro está com os faróis virados para traz. Nosso discurso não funciona mais; as pessoas não entende o que estamos dizendo. Conquanto, o Espírito Santo ainda age maneira sobrenatural. Ele continua a transformar o homem apesar do discurso ser, como disse, nosso. Com os faróis  virados para traz só podemos ver os buracos que evitamos ou caímos depois passarmos por eles. Jamais saberemos para onde vamos ou que vem pela frente.

Não é por outra razão que a teologia da troca de Deuteronômio 28 travestida de Teologia da Prosperidade cresça cada vez mais. Ela responde as perguntas que as pessoas estão fazendo. Ela busca atender o anseio e necessidades mais simples de um povo igualmente simples. E mais, ela tem mais chance de reconquistar a Europa do que as teologias chamadas liberais ou tradicionais.

Uma nota se faz necessária aqui. Não negocio valores como a cruz de Cristo, sua ressurreição e sua filiação a Deus, o Pai. Não ignoro ou menosprezo o Espírito Santo que convenceu, antes de tudo, a mim da justiça do pecado e do juízo. Também não defendo a teologia da troca como saída para esse nosso século. Falo da nossa ignorância quanto ao mundo e sociedade em que vivemos. Ignoramos os valores deste século como se nada houvesse de bom no mundo ou no homem. Se o mundo jaz no maligno é por nossa causa: “maldita será a terra por causa de ti” (Gênesis 3.17) e não que mundo seja mal em si. Ele tornou-se mal por causa do pecado, mas lá no princípio viu Deus que o mundo era bom. Se o coração do homem é mau continuamente, lembro que Deus amou o mundo de tal maneira que entregou o seu único filho por amor a este mesmo homem de coração mau.

Minha “crise” é perceber que ainda agimos como meninos que precisam de leite, ainda que não falsificado. Não amadurecemos assim como não crescemos a estatura do varão perfeito que é Cristo. Se como líderes vamos levar a sério a Bíblia então precisamos responder ao menos a duas perguntas: 1-  O que significa “Irmãos, não sejais meninos no entendimento, mas sede meninos na malícia, e adultos no entendimento” de I Coríntios 14.20? 2 - Qual o sentido do texto “E crescia Jesus em sabedoria, e em estatura, e em graça para com Deus e os homens” de Lucas 2.52?

Para quem está terminando a caminhada estas perguntas causam mais dor que alegria. Para quem está apenas começando é bom pensar que a dor é ou será inevitável. Melhor procurar respostas o quanto antes se o desejo é permanecer no ministério. Ou então deixe-se seduzir pelo mais fácil como tantos têm feito e renda-se a teologia da prosperidade. O mundo está cheio de perguntas e espera que alguém as responda. Por um lado, as antigas repostas não servem mais por outro, responder perguntas que ninguém fez também fazem o menor sentido.

Que o Senhor nos ajude!

Comentários

  1. Muito bom esse texto Leonardo. Comecei a ler e não consegui parar. Ganhou a atenção de um artigo que estou preparando agora. Seu texto é profundamente coerente em suas colocações. Gostei do fato de você perceber os dualismos presentes nas propostas teológicas que polarizaram a leitura europeia e estadunidense. Ainda que não perceba, já existe um equilíbrio e uma maturidade teológica em seu artigo. Isso é fundamental para um aluno de graduação em teologia hoje: teologia a serviço da vida, eclesia e sociedade.
    Parabéns amigo, gostaria de utilizar esse texto na aula do semestre.
    Abraços
    Delambre

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  2. Querido professor,
    Poderia eu negar-lhe algo? Para mim será uma honra se utilizá-lo nas aulas e uma alegria inesperada, confesso.

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