Ninguém vai conseguir resistir sozinho

Por Alessandra Orofino

Hoje quero escrever para os amigos, conhecidos, e conhecidos de conhecidos que vestiram verde e amarelo. Que foram pra rua pedir que Dilma caísse. E que estão vendo essa demanda ser atendida.
Quero dizer que eu também não estava satisfeita com o governo dela, em aliança com o PMDB. Que fiquei chocada, triste e envergonhada ao constatar o tamanho do buraco da corrupção na Petrobrás. Preocupada com a economia. E cansada de tanto escândalo, de tanto dinheiro suado e honesto indo parar nas mãos de quem nem trabalha nem entende o que é honestidade.

Quero dizer que além de tudo isso, me incomodava sua recusa em dialogar com a sociedade, repetidas vezes. Seu desenvolvimentismo ecocida. Seu desprezo por qualquer minoria que se colocasse no caminho desse projeto. Suas alianças com os coronéis de outrora e os prefeitos arrogantes de hoje.

E era por tudo isso que eu estava me cercando de gente que gosto e admiro, para fazer pressão durante os próximos anos. Para disputar o governo dela e resistir às suas falhas, cotidianamente. E era por isso que eu ansiava pelo retorno do debate eleitoral, em 2018. Para que ela saísse, e pudéssemos discutir um novo plano. Uma visão renovada de país. Em que você e eu pudéssemos discordar, também. Democraticamente.
E no entanto, ela caiu agora. Eu entendo a sua pressa. Eu também tenho pressa. Mas nessa impaciência, você esqueceu que o como das coisas importa tanto quanto o quê das coisas. E ela sair desse jeito, pela mão dessas pessoas, importa mais do que ela sair de qualquer jeito.

Você pode não acreditar que o processo seja ilegal. Você pode insistir que havia razões muito válidas e constitucionalissimamente aceitáveis para que ela caísse. Mas a verdade é que os arquitetos da queda de Dilma não estão interessados nem em legalidades, nem nos temas que são importantes pra você. Também não se importam com aquilo que é fundamental pra mim. São uma casta política, cada vez mais afastada de nós, disputando os últimos lugares dos botes salva-vidas de um Titanic prestes a afundar.

Nós estamos lá embaixo, presos atrás das grades e vendo a água subir, enquanto a primeira classe de podres políticos ainda tenta se salvar do afogamento iminente. Você sabia que, para as eleições deste ano, PT, PMDB e PSDB estão coligados em quase 30% dos municípios? Isso quer dizer que o voto em um candidato ou candidata à vereador do PMDB ou do PSDB pode eleger um petista em quase um terço das cidades brasileiras. E vice-versa. Você acha mesmo que esses partidos estão interessados em "extirpar a corrupção petista" do país? Você acha que existe alguma possibilidade de ser esse o grande objetivo que os acontecimentos de ontem e hoje revelam?

Veja: o governo que, ao que tudo indica, assumirá em caráter definitivo não terá sido colocado ali nem por mim, nem por você, nem por ninguém - com a exceção de um punhado de auto-interessados. Até porque ninguém vota no vice esperando que ele se volte contra a cabeça de chapa e arquitete sua queda, mantendo-se intacto, e aprofundando um estelionato eleitoral já em curso.

O fato deste governo não ter nem o meu voto nem o seu voto permitirá que ele tente implementar no país políticas que não seriam aceitas nem por mim, nem por você. Sabe, eu tenho certeza que a gente não vai concordar em tudo. Mas também acredito que você, assim como eu, quer viver num país mais justo. Inclusive, você respondeu a um monte de pesquisas de opinião que comprovam isso - você, ou outros que estavam nas ruas junto com você.

Essas pesquisas mostram o mais que óbvio: você, assim como eu, quer ser assegurado de que, mesmo se você amanhã passar por uma dificuldade ou ficar sem nenhum tostão, seus filhos serão educados com qualidade e as pessoas que você ama não morrerão numa fila de hospital.

Eu não estou dizendo que, com Dilma, nossos sistemas de saúde e educação melhorariam magicamente. Mas estou afirmando que com um governo desprovido de mandato popular não existe nenhuma possibilidade dessas áreas serem prioridade. Porque se um governante sabe que pode chegar no poder sem voto, ele não fará grandes coisas para atrair futuros eleitores. E governará para si. Para si, e para a mesma casta que sempre promoveu festas com dinheiro público - aquelas festas que você, com toda razão, quis evitar.

Eu não acho que você tenha se mobilizado pra isso. Não acho que tenha pintado a cara e tomado as ruas pra isso. E justamente porque não acho que você seja mau, ou que queira o mal do Brasil, que espero que a sua luta não acabe na quarta-feira.

Porque o que vamos encarar, juntos, nos próximos dois anos, é uma máfia que não precisa nem fingir que tem compromisso com o país. Uma máquina que se alimenta sozinha e não precisa de mais ninguém para manter-se viva. E ela vai direcionar sua fúria contra todos nós. Nossos direitos, nossos sonhos, nossa possibilidade de vida em comum. Poucos estarão a salvo. E esses, em sua maioria, não vão para a rua nem contra nem a favor de ninguém. Preferem levar seus complôs a cabo por outros meios.

Amanhã, contra essa máfia e contra essa máquina, começa a resistência. E eu não vou conseguir resistir sem você. Ninguém vai conseguir resistir sozinho.

Vamos juntos?

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